Dois episódios em que minha família foi alvo da falta de educação de quem não está nem aí para as necessidades de uma criança
Eu não acho que todo mundo é obrigado a gostar de criança – embora ache bem esquisito quem diz que não gosta. Também não acho que pessoas que se tornaram pais ou mães são melhores do que aquelas que não têm filhos ou que é imprescindível formar uma família para compreender que bebês, meninos e meninas requerem um tratamento especial porque são seres em crescimento, porque são mais sensíveis, mais frágeis e vêm ainda o mundo de uma outra forma. Mesmo assim, tenho certeza de que a maternidade e a paternidade nos deixam mais treinados a perceber as necessidades do outro. Vou contar dois episódios que aconteceram com minha família recentemente e que ilustram bem o que estou dizendo.
Episódio 1
Dias atrás, recebi a visita de uma tia querida do meu marido e da mãe dele. Depois de vir aqui, elas iriam almoçar no restaurante vizinho à minha casa, o Nou, que frequento desde a inauguração e onde sempre fui muitíssimo bem atendida, seja quando estava sozinha, com amigas, com o marido, grávida ou com a família. Valentina, aliás, é cliente VIP. Como eu me sentia muito bem, o dia estava lindo, ensolarado, fazia um calorzinho bom e o Antônio parecia muito tranquilo, resolvi me convidar para acompanhá-las apesar da pouca idade do meu pequeno. Afinal, se tivéssemos qualquer problema, era só correr para casa, simples assim. O convite foi aceito.
Ao chegarmos lá, a garçonete nos levou a uma mesa no salão externo. O teto retrátil estava aberto e batia sol sobre nossa mesa. Seguindo meu instinto e a recomendação da pediatra para lugares cheios, cobri o carrinho do meu filhote com uma fraldinha e afastei um pouco da luz, que continuava a incidir o assento onde a irmã da minha sogra sentara. Imediatamente, a funcionária do restaurante pegou o controle remoto para fechar a cobertura, o que não acabou com a luminosidade agradável, só tapou o sol. Mal deu tempo de agradecer e as clientes da grande mesa ao lado chamaram a moça, indignadas. Queriam que o teto fosse aberto novamente. Disseram que não trabalhavam por ali, que tinham vindo de longe só por causa do salão aberto e que, se nós estávamos incomodadas, que nos sentássemos lá dentro. “Coloque-as em uma mesa interna”, disse a mais enfezada delas, esbanjando arrogância. A garçonete explicou que tinha luz sobre o bebê, mas não foi suficiente.
Perguntei a elas se gostariam de trocar de lugar (o sol não batia sobre a mesa delas). Ríspida e despeitada, a líder da tchurma respondeu que não havia espaço para elas ali e que nós deveríamos nos mudar. Foi um festival de falta de educação, enfim. Ignorei o pedido, minha sogra respondeu que não sairíamos dali e continuamos conversando. Aí ouvi o papo delas.
Apesar de ter idade para isso, nenhuma era mãe – embora suspeito que adorariam ser. E também não pareciam conviver com quem tem filhos. Ainda assim, falavam como experts. “Imagina, quando eu estive em Cinque Terre, vi uma porção de mães empurrando carrinhos sob o sol pelas ruínas. Não sei para que tanta frescura…” Um discurso, no mínimo, sem pé nem cabeça porque, se eu fosse mesmo fresca, nem de casa sairia com um bebê tão pequeno. Além do mais, mal sabem elas que eu já empurrei carrinho, carreguei canguru e criança no colo em tudo quanto é lugar. Isso não significa, porém, que meus filhos tiveram de ser submetidos a situações desconfortáveis porque estavam fora de casa. Uma coisa não tem a ver com a outra e quem é mãe sabe disso.
Por sorte minha bisbilhotice na conversa alheia foi interrompida por Paulo, um dos gentis donos do restaurante, a quem aproveitei para apresentar seu mais novo cliente, o Antônio. Com toda a educação que lhe é habitual, Paulo nos contou que foi informado sobre a inconveniência da mesa ao lado. Perguntou se estávamos bem e se seria necessário que ele intercedesse. Respondi que não e agradeci a gentileza.
Ao final da refeição deliciosa durante a qual meu filho dormiu tranquilo no carrinho, tive vontade de ir até a mesa das moçoilas para desejar uma ótima tarde de trabalho e contar que eu estava indo para casa proteger meu filho no conforto da minha cama, onde tiraríamos um delicioso cochilo. Mas achei melhor ficar quieta.
Episódio 2
Meu marido e minha filha foram ao parque em uma manhã desse ensolarado veranico paulistano. Ao atravessar a rua, viram um carro vindo em direção a eles em baixa velocidade. Como não sabia se deveria atravessar ou não, o pai da Valentina fez sinal para o motorista como quem pergunta: “E, aí, vai ou não vai?”. O cara parou, eles atravessaram e, ao chegar do outro lado da rua, minha filha voltou para trás, em direção ao asfalto. Seu pai segurou suas mãos, ela protestou, e ele viu que a camiseta que ela carregava nas mãos tinha caído. Em seguida, o sujeito do carro avançou bem devagarinho passando a roda sobre a roupa da menina, que pôs-se a chorar copiosamente. Aí, o cidadão parou, abriu o vidro e disse cinicamente: “Puxa, não fiz de propósito”. Foi quando uma transeunte se abaixou, pegou a camiseta e devolveu à minha filha.
Não sei se o dócil motorista tem filhos ou não. Mas aposto que, se for pai, não dá a mínima para seus rebentos.